Às vezes não conseguimos
explicar. Detesto escrever sobre mim. Sentir-me uma adolescente de quinze ou
dezasseis anos, a trocar papelinhos na aula de geografia. É exagerado e assusta
o efeito catártico de peneirar a mente e deixar sair por palavras o que
reprimimos no pensamento. Que horror. Sensação de medo, do feminino em mim, de
que já me tinha livrado, do medo pois claro, que o feminino é para manter.
Padre Arménio espera no casúlo em
madeira escura. Veio do Brasil há séculos, o móvel antigo. Ficou por ali sem
ser preciso envernizar. Nem rangia o coitado, nem envelhecia ou envergonhava de
tantas lágrimas e pedidos de desculpa. Da Noélia e seus vapores, de Maria e
seus amores. Só esbranquiçava um pouco perto da almofada para os joelhos, onde
a cascata de lágrimas acabava por aterrar. Haveria de lavá-la um dia, o
sanguíneo Arménio, que masturbava a mente com tantas rendas e tules que lhe
pediam perdão. Ai o perdão.
Espreitou cá para fora o rapaz,
para ver quem faltava. Para se preparar. Remexendo nos sinais contrários que o
corpo e o zelo lhe ofereciam e encarniçavam o rosto e as partes.
- Fernandinha. Ai Fernandinha que
me trocas os dias e a vocação.
A Fernanda dos tombos, que
desmaiava todos os domingos. Que lhe emprestava odor e vício à igreja matriz.
Com um terço novinho, com menos contas, que queria apressar o rezar. Lá se
ajoelhou a rapariga. Vinte e tantos anos a parecerem menos, nucas arrepiadas, a
dela e a dele, o sinal da cruz a fazer ângulos no ar.
- Perdoe-me padre, porque pequei.
Meu deus, com minúscula para não
ofender. Que pecado Fernanda? Que maldade ou sina podia provocar? Nada meu
deus, ainda mais pequeno. Nada.
De branco a moça, de peito
fechado, ondulando a renda do colo. Ai Fernandinha. Desse-lhe as mãos e veria.
Sem pecados, sem profunda confusão.
- Boa tarde Dª Gertrudes. Então
hoje veio sozinha?
- Vim sim, senhor padre. A
Fernanda já abalou para Lisboa.